América Latina atrasa na regulamentação das criptomoedas
Em um momento em que as criptomoedas, os contratos inteligentes e as aplicações descentralizadas se consolidam como parte do sistema financeiro global, a América Latina ainda não definiu um marco regulatório claro e funcional. Isso não apenas freia a inovação, mas também coloca em risco milhões de usuários e investidores na região.
Em resumo
- A América Latina carece de uma regulamentação clara para criptomoedas, freando inovação e segurança.
- Europa e EUA avançam com modelos mais estruturados, enquanto a região continua fragmentada.
- Sem mudanças urgentes, LATAM perderá talento, investimento e liderança em tecnologia blockchain.
Para entender melhor o panorama, conversamos com Jazmín García, fundadora da Nohbek, uma plataforma de serviços BAAS (Blockchain as a Service) especializada em soluções Web 3.0 e transformação digital. Reconhecida por seu trabalho como especialista em regulação, Jazmín alerta: “Na América Latina cumprimos por obrigação, não por convicção; se não há lei, não há boas práticas, o que nos faz continuar sendo reativos, não preventivos”.
O caso da Europa: MiCA como modelo a seguir
Em abril de 2020, o Parlamento Europeu aprovou a Lei de Mercados de Criptoativos (MiCA), que entrou em vigor em dezembro de 2024. Trata-se da primeira legislação abrangente que regula não apenas criptomoedas, mas também stablecoins, tokens, exchanges e emissores de criptoativos.
A MiCA obriga os provedores de serviços a se registrarem, cumprir regras contra lavagem de dinheiro e apresentar white papers detalhados. Um dos casos mais visíveis foi o da Tether (USDT), que não obteve licença e foi removida de exchanges europeus.
MiCA marca um antes e um depois. É clara, operativa e dá segurança jurídica a todos os atores. Na América Latina estamos muito longe de algo similar.
Estados Unidos: múltiplas agências, mas sem marco unificado
Diferente da União Europeia, os Estados Unidos ainda não possuem uma lei federal única que regule de forma abrangente o ecossistema cripto. Em seu lugar, construíram um sistema fragmentado no qual diferentes agências abordam aspectos específicos:
- A US Securities and Exchange Commission (SEC) regula os criptoativos considerados valores mobiliários, como nos casos da Ripple e Binance.
- A Commodity Futures Trading Commission (CFTC) supervisiona ativos vinculados a commodities.
- O Internal Revenue Service (IRS) trata os criptoativos como propriedade para efeitos fiscais, obrigando a declarar ganhos e perdas.
- A Financial Crimes Enforced Network (FinCEN) impõe padrões de KYC e AML às plataformas de troca.
- Empresas como Chainalysis apoiam o governo na detecção de operações ilícitas por meio de inteligência artificial.
Além disso, alguns estados como Wyoming deram passos mais firmes, reconhecendo legalmente as DAOs e promovendo legislação local pró-cripto.
Embora essa estrutura institucional permita certo grau de regulação funcional, o país ainda enfrenta o desafio de harmonizar critérios entre agências e oferecer maior clareza legal para usuários, empresas e desenvolvedores. A falta de um marco federal coeso gera incerteza, especialmente para quem busca operar em nível nacional.
América Latina: entre avanços e retrocessos
Embora o panorama na América Latina seja diverso, predominam os enfoques parciais ou ausentes. Alguns exemplos:
- El Salvador reconheceu o Bitcoin como moeda de curso legal em 2021. Mas, sem uma campanha educativa sólida, a adoção tem sido limitada.
- O Brasil aprovou uma lei em 2023 que regula os provedores de serviços financeiros tecnológicos, incluindo cripto.
- A Argentina permite comprar e vender criptomoedas legalmente, embora sem legislação específica.
- Peru e Colômbia têm projetos de lei em debate, ainda não implementados.
- Bolívia proíbe o uso de criptomoedas como meio de pagamento.
- Equador anunciou uma regulamentação em 2022 que ainda não foi publicada.
Estamos vendo esforços isolados. Mas sem coordenação regional, sem padrões mínimos e sem vontade política, corre-se o risco de perder a corrida pela liderança tecnológica.
Um dos pontos-chave que García destaca é que os governos continuam vendo blockchain apenas como sinônimo de criptomoedas. Mas a tecnologia tem múltiplas aplicações, como rastreabilidade de produtos agrícolas e industriais, sistemas de identidade digital descentralizada, transparência em contratações públicas e programas sociais, automação de auditorias e processos legais, e gestão de direitos digitais e propriedade intelectual.
Blockchain não é o inimigo. Mas em muitos governos, incluindo o do México, ainda é associada a golpes, especulação ou dinheiro ilícito. Essa visão limitada está nos deixando fora do futuro.
México: o divórcio normativo
O México foi um dos primeiros países na América Latina a regulamentar as fintechs, com a Lei Fintech de 2018. No entanto, o marco ficou curto diante da velocidade com que evoluem os modelos de negócio baseados em criptoativos.
A Lei Fintech não contempla os protocolos DeFi, as DAOs nem o staking. A única norma contábil, a NIF C-22, aplica-se apenas se usado como meio de pagamento. E fiscalmente, pode-se declarar rendimentos por cripto, mas não deduzir perdas. É um sistema contraditório.
Esse desajuste gera o que ela chama de “divórcio normativo” entre as leis contábeis, fiscais e financeiras, que obriga as empresas a navegar por um labirinto legal para poder operar.
O risco de não regular: fuga de talento e investimento
A falta de clareza legal não afeta apenas os usuários. Também afasta investimentos, desestimula desenvolvedores e obriga startups latino-americanas a migrarem para jurisdições como Estônia, Portugal ou Emirados Árabes Unidos, onde a regulamentação já contempla cenários descentralizados. “Sem regras claras, o talento vai embora. Eles não querem estar em um país onde operar pode ser considerado ilegal a qualquer momento”, acrescenta Jazmín.
De acordo com o relatório Crypto Ownership Report 2024 da Triple A, a América Latina concentra mais de 55 milhões de pessoas que possuem criptoativos, posicionando-se como uma das regiões com maior adoção global. Ignorar essa realidade não apenas expõe os usuários, mas deixa os países fora da competição por investimento, talento e desenvolvimento tecnológico.
Além de leis técnicas, a região precisa de vários fatores para entrar no jogo:
- Envolver os atores do ecossistema em mesas de trabalho legislativas.
- Gerar campanhas educativas a partir dos governos.
- Evitar regulamentações proibitivas e, em vez disso, fomentar um marco flexível e pró-inovação.
- Desenhar marcos integrais, não remendos fiscais ou contábeis desconectados entre si.
Se a América Latina quer fazer parte do futuro das finanças, precisa deixar de reagir e começar a construir. Porque na nova ordem financeira descentralizada, a regulamentação não é uma barreira: é uma ferramenta para liberar o potencial da tecnologia.
Maximize sua experiência na Cointribune com nosso programa "Read to Earn"! Para cada artigo que você lê, ganhe pontos e acesse recompensas exclusivas. Inscreva-se agora e comece a acumular vantagens.
Fernanda González es estratega en comunicación, columnista y speaker especializada en tecnología, cripto y venture capital en América Latina. Ha acompañado a startups, fondos y plataformas web3 en su posicionamiento regional, con un enfoque en innovación, inclusión financiera y adopción tecnológica. También es fundadora de Kostik, una agencia que combina relaciones públicas con análisis estratégico para empresas en crecimiento.
As opiniões e declarações expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor e não devem ser consideradas como recomendações de investimento. Faça sua própria pesquisa antes de tomar qualquer decisão de investimento.