Bitcoin está mudando profundamente — e os puristas gritam traição

Uma decisão técnica está causando agitação na comunidade Bitcoin. O núcleo do protocolo está prestes a mudar. Há muito tempo, um limite impedia os usuários de armazenar muitos dados nas transações. Esse limite, fixado em 80 bytes, dizia respeito ao campo OP_RETURN. Criado para permitir a inclusão de dados na blockchain, ele deveria permanecer leve e discreto. Mas essa barreira simbólica hoje é considerada inútil. E seus efeitos seriam até contraproducentes. Os desenvolvedores do Bitcoin Core, portanto, decidiram: o limite será removido.

Uma regra que se tornou contraproducente no Bitcoin

OP_RETURN permite integrar dados em uma transação sem criar um UTXO. Introduzido para evitar scripts poluentes, representava um compromisso: liberdade limitada, mas segurança mantida. O limite de 80 bytes visava desestimular o armazenamento massivo de conteúdo. 

Mas os usuários logo contornaram a regra. Alguns inseriram seus dados via scripts multisig falsos. Outros usaram endereço falsos, criando poluição muito maior. Até alguns mineradores ignoravam esse limite, tornando sua aplicação desigual. 

Greg Sanders, desenvolvedor do Bitcoin Core, resumiu o problema no GitHub:

As inscrições massivas de dados acontecem de qualquer forma, muitas vezes de maneira mais opaca e nociva. O limite apenas os redireciona para práticas piores para a rede. 

Portanto, a remoção desse limite aparece como uma escolha pragmática.

Vozes se levantam contra a evolução

Mas essa mudança não é unânime. Para muitos usuários, a remoção dessa barreira não foi discutida coletivamente. Marty Bent afirma no X:

Está claro que hoje não existe consenso sobre a questão OP_RETURN. 

Por sua vez, Samson Mow pede cautela:

Muitos acham essa decisão lamentável. Eles podem ficar na versão 29.0 ou usar outro cliente como BitcoinKnots. 

O cerne do problema está aí: quem decide as mudanças no Bitcoin? Alguns denunciam um deslizamento progressivo para uma governança centralizada, dominada por algumas equipes técnicas. A proposta PR 32359, embora discutida no GitHub, teria carecido de consulta comunitária. 

Esse desacordo mostra o quão frágil permanece a governança do protocolo. Os usuários nem todos estão prontos para seguir as evoluções impostas, mesmo quando parecem lógicas.

O que isso realmente muda

Por trás dessa disputa técnica, há implicações concretas para a rede:

• A retirada do limite limpa os UTXOs: menos scripts falsos armazenados;
• As transações serão mais coerentes entre os mineradores e nós;
• Isso melhora a estimativa de taxas e a transmissão de blocos compactos;
• Os blocos continuam limitados a 4 milhões de unidades de peso, sem descontrole explosivo;
• As regras de consenso não mudam: apenas as regras de retransmissão são afetadas.

Portanto, essa mudança não é nem uma revolução nem um abandono de princípios. Trata-se de um reajuste técnico com a prática real da rede. Os desenvolvedores assumem uma filosofia minimalista: o mercado de taxas deve decidir. 

As proteções contra abusos sempre existirão. Mas serão mais específicas e adaptadas às ameaças reais. A direção do projeto permanece clara: evitar desvios enquanto se alivia o protocolo.

Mas o cerne do debate vai além da técnica. Toca o próprio DNA do Bitcoin. Ainda são necessárias regras simbólicas quando os usos evoluem? Ou é preciso fortalecer o controle comunitário? A remoção do limite OP_RETURN ocorre justamente quando a questão da governança volta ao centro. Charles Hoskinson, fundador da Cardano, já havia criticado a ausência de uma estrutura clara no Bitcoin. Hoje, essa decisão reacende o debate: o protocolo é governado coletivamente ou dirigido nos bastidores?