A louca IPO da Circle esconde um sacrifício de 3 bilhões de dólares

A estreia na bolsa da Circle fez história em Wall Street com a maior alta em dois dias desde 1980. No entanto, por trás desse desempenho espetacular esconde-se um paradoxo preocupante: o emissor da USDC literalmente deixou 3 bilhões de dólares sobre a mesa para os investidores institucionais. Como explicar esse sacrifício financeiro colossal?

Um recorde na bolsa que custa muito caro à Circle

A Circle orquestrou na quinta-feira, 5 de junho, um verdadeiro tsunami financeiro. Já na primeira sessão, a ação do emissor do stablecoin USDC disparou para 88 dólares, um avanço fulminante de 180% em relação ao preço de subscrição de 31 dólares fixado pelo JPMorgan, Goldman Sachs e Citigroup. Esse desempenho inicial foi apenas uma amostra do que aguardava os investidores.

Sexta-feira, 6 de junho, confirmou o apetite insaciável do mercado. A ação ultrapassou a marca simbólica de 107,5 dólares, adicionando quase 30% adicionais à sua avaliação.

Em apenas dois dias, a Circle acumulou uma valorização de quase 250%, quebrando todos os recordes históricos, segundo Jay Ritter, professor da Universidade da Flórida e autoridade mundial em ofertas públicas iniciais.

Esse desempenho deixa em segundo plano a C3.ai, fornecedora de software que detinha até então o recorde com “apenas” 209% de alta na sua estreia no Nasdaq em 2020. A Circle acaba de reescrever os códigos de Wall Street e confirma o entusiasmo institucional pelos ativos cripto regulados.

A magnitude desse sucesso se explica pelo timing perfeito escolhido pela Circle. Após adiar sua IPO em abril passado diante das turbulências econômicas, a empresa liderada por Jeremy Allaire soube capitalizar um contexto regulatório favorável e a melhora do sentimento cripto sob a administração Trump.

Um sacrifício financeiro de 3 bilhões que levanta questões

Por trás dessa euforia na bolsa esconde-se uma realidade econômica preocupante. A Circle vendeu 39 milhões de ações em sua captação, arrecadando 1,145 bilhão de dólares após deduzir 67 milhões de dólares em taxas de subscrição.

Se a empresa tivesse fixado o preço de lançamento ao fechamento de sexta-feira, 6 de junho, ou seja, 107,5 dólares, teria arrecadado 4,144 bilhões de dólares.

Essa diferença abissal de 3 bilhões representa o que os especialistas chamam de dinheiro “deixado sobre a mesa”.

Concretamente, para cada dólar recuperado pela Circle e seus dirigentes, três dólares de mais-valia foram oferecidos aos clientes privilegiados dos bancos de investimento. Uma oportunidade inesperada para esses investidores institucionais, que puderam revender suas ações com lucros imediatos consideráveis.

Essa quantia astronômica coloca a Circle em sétimo lugar entre as maiores perdas financeiras da história das IPOs desde 1980. Apenas Visa, Airbnb, Snowflake, Rivian, DoorDash e Coupang fizeram “pior” em termos de dinheiro abandonado em sua introdução. Um ranking nada invejável que levanta questões legítimas sobre a estratégia de precificação adotada pelos conselhos da Circle.

A ironia da situação torna-se ainda mais evidente quando lembramos que a Circle havia rejeitado uma oferta de compra da Ripple estimada entre 4 e 5 bilhões de dólares. Essa decisão, que parecia audaciosa na época, revela hoje toda a sua pertinência estratégica, embora a execução financeira deixe dúvidas.