Euro digital: O BCE joga sua última carta

O Banco Central Europeu intensifica sua comunicação em torno do euro digital. Piero Cipollone, membro do diretório, apresentou ao Parlamento Europeu novos argumentos a favor do projeto. O BCE conseguirá conquistar usuários que ainda são majoritariamente detratores?

O BCE defende seu euro digital como barreira contra ciberataques

Piero Cipollone, membro do diretório do BCE, revelou nesta quinta-feira aos eurodeputados em Bruxelas. Ele defende o euro digital como uma ferramenta de resiliência contra ameaças cibernéticas. 

Seu exemplo chama a atenção pela simplicidade: se um ciberataque derrubar “o aplicativo de um banco” mas deixar o sistema central intacto, o usuário ainda poderia acessar sua conta via o aplicativo do euro digital do BCE.

A declaração ocorre em um contexto preocupante: os ciberataques contra infraestruturas financeiras se multiplicam e provocam interrupções no serviço. O euro digital ofereceria então uma rota alternativa crucial para manter a atividade econômica.

O argumento é antes de tudo operacional. À medida que a sociedade se afasta do dinheiro em espécie, o acesso ao dinheiro físico torna-se incerto em situações de emergência. O euro digital viria complementar o dinheiro em espécie, que Cipollone descreve como nossa “única verdadeira solução de emergência” hoje para garantir uma segunda rede de segurança.

Uma funcionalidade off-line também está em estudo. Ela permitiria realizar pagamentos locais durante um apagão, com sincronização posterior quando a rede fosse restabelecida. O objetivo declarado é melhorar a continuidade do serviço.

Mais amplamente, o projeto visa reduzir pontos únicos de falha adicionando um canal público de pagamento, padronizado e interoperável, para limitar a exposição a falhas em aplicativos privados e congestionamentos nos prestadores de serviços.

A Europa frente ao desafio da soberania monetária

Esse anúncio faz parte de uma batalha maior pela soberania monetária europeia. Christine Lagarde recentemente endureceu o tom contra stablecoins estrangeiros, exigindo garantias “firmes” para qualquer emissor que deseje operar na União.

Os números revelam a magnitude do desafio. Quase 290 bilhões de dólares em stablecoins circulam hoje mundialmente. O USDT da Tether concentra 60% deste mercado, reforçando a hegemonia do dólar na economia digital.

O euro digital também visa conter a influência crescente da Apple Pay, Google Pay ou PayPal. Esses gigantes tecnológicos americanos dominam os pagamentos digitais europeus. Uma situação que o BCE considera inaceitável.

O projeto europeu avança concretamente. Tecnicamente pronto segundo as autoridades, o euro digital poderia ser lançado antes do final de 2025. Um cronograma apertado frente à concorrência americana que multiplica iniciativas regulatórias favoráveis.

O BCE aposta alto com essa estratégia. A Europa deve recuperar seu atraso tecnológico ao mesmo tempo que preserva sua soberania monetária. O euro digital representa muito mais que um simples projeto técnico: é o futuro da autonomia financeira europeia que se joga nessa batalha digital.